STF MANTÉM ABSOLVIÇÃO DE HOMEM QUE TENTOU MATAR A EX-MULHER E ALEGOU 'LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA'

Maioria dos ministros entendeu que decisão de júri popular é soberana e não pode ser modificada. Ataque contra vítima aconteceu em 2016, em Minas Gerais. Professora diz que decisão é 'lamentável e absurda' O Estado de S.Paulo
29 de setembro de 2020 | 21h59

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve nesta terça-feira, 29, a absolvição de um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas diante de suspeitas de traição conjugal por parte da companheira. No júri ocorrido em 2017, a defesa sustentou que o ataque estava amparado na “legítima defesa da honra”, argumento que ganhou apoio unânime dos jurados na oportunidade. Os ministros do STF entenderam que a decisão pelo tribunal do júri é soberana e não pode ser modificada.

A votação terminou 3 a 2 a favor da manutenção da absolvição, com votos a favor do relator Marco Aurélio Mello e dos ministros Dias Toffoli e Rosa Weber. Votaram contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinham entendido que a absolvição contrariava as provas reunidas no processo e deliberaram pela realização de um novo júri, o que agora, com a decisão do STF, não deverá ocorrer.

No Brasil, crimes intencionais contra a vida, como assassinatos e tentativas de assassinato, são julgados por um corpo de jurados formado por cidadãos comuns. Eles ouvem os argumentos formulados pela acusação e pela defesa e votam para decidir pela absolvição ou condenação dos réus. O STF vem ratificando nos últimos anos o entendimento de que a decisão de júris populares, como são conhecidos, não pode ser alterada.

“Quanto à hipótese de legítima defesa da honra, sabe-se que a moderna jurisprudência, acompanhando a evolução dos comportamentos sociais, vem rejeitando de maneira praticamente unânime, a tese da excludente para aquele que tenta ceifar a vida de outro em face da infidelidade conjugal ou mero ciúme”, sustentou o magistrado. Em 2019, a decisão foi do TJ de Minas mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) até ser julgada nesta terça-feira pelo STF. Para defender o seu voto a favor da manutenção da absolvição do réu, o relator Marco Aurélio Mello argumentou com base na Constituição Federal. “Temos que a lei maior assegura a soberania dos vereditos. O que é julgamento pelo Tribunal do Júri? É o julgamento por iguais, é o julgamento por leigos, a partir dessa previsão constitucional”, disse.

O ministro Dias Toffoli fez ponderações sobre a instituição do júri, mas defendeu a soberania das decisões dos cidadãos. “O júri é uma instituição anacrônica, deveria ser extinto. Temos que, enquanto isso não ocorrer, respeitar a soberania do júri, seja para absolver, seja para condenar e prender de imediato”, disse.A ministra Rosa Weber também ressaltou que o caso é muito “delicado”, mas que decidiria o seu voto entendendo que “há prevalência da norma constitucional” e que “em se tratando de sentença, a decisão absolutória no Tribunal do Júri dada no quesito genérico de absolvição, não há como conhecer, com o maior respeito, o recurso ministerial”.

Já para o ministro Alexandre de Moraes, que votou contra a manutenção da absolvição, é constitucionalmente possível a realização de um novo julgamento pelo próprio Tribunal do Júri, dentro do sistema acusatório, e não se deve tornar o corpo de jurados em um poder “incontrastável, ilimitado, sem qualquer possibilidade de revisão”. O ministro Barroso, por sua vez, votou destacando que não gostaria de viver num país em que os homens pudessem matar as mulheres por ciúmes e saírem impunes. “Se chancelarmos a absolvição de um feminicídio grave como esse pode parecer que estamos passando a mensagem de que um homem, se sentir traído, pode esfaquear a sua mulher tentando matá-la em legítima defesa da honra ou seja lá em que tese se possa definir. Não parece que no século 21 essa seja uma tese que possa se sustentar”, argumentou.